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"Enquanto Bela Dormia", de Elizabeth Blackwell

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Enfim, minha Bela dormia.
Contos de fadas têm uma coisa boa: eles são obras de domínio público, de séculos de existência, e cada um pode fazer o que quiser com eles. Histórias como Cinderela, Branca de Neve e A Bela e a Fera já renderam inúmeras adaptações para cinema e TV. A Bela Adormecida também é uma dessas histórias fantásticas e antigas que foram moldadas, remoldadas e recontadas com o passar dos anos, entre elas a versão mais famosa, a animação da Disney de 1959 e a mais recente adaptação live action de 2014, "Malévola", com Angelina Jolie no papel título, contando a velha história pela visão da vilã. Elizabeth Blackwell seguiu essa ideia e nos apresentou à outra perspectiva: e se a história da bela que dormia tivesse realmente acontecido?

Está tudo lá, o rei e a rainha, a princesa, a mulher má, a fada boa, a torre, etc. Tem até uma roca de fiar. Mas esqueça a bruxa com o corvo de estimação, as três fadas esvoaçantes e o beijo de amor verdadeiro (esqueça a roca de fiar também, é só uma alusão). A história de Rosa (Não, não é Aurora) é muito mais real, crua, sombria. Com dificuldades em produzir um herdeiro para o trono, a rainha Lenore pede ajuda à tia do rei Ranolf, Milicent, para engravidar. Assim que consegue, desconfiado das "artes mágicas" da mulher odiosa, o rei a expulsa do reino quando a pequena Rosa é batizada. Revoltada, a velha recalcada joga uma praga na criança e mergulha o reino inteiro em uma atmosfera pesada de medo e desconfiança. A garota é praticamente confinada dentro do castelo e seus pais se afundam em paranoia. Mas tudo isso é contado por outra pessoa, não uma fada, nem a vilã: é Elise, a camareira da rainha quem nos mostra tudo o que realmente aconteceu, depois que a história da Bela Adormecida já tinha virado lenda, a lenda que hoje conhecemos. É ela que nos conta os pormenores menos glamourosos, vis e cruéis dos bastidores do conto de fadas.

Elise cresceu no campo mas sempre teve certeza de que seu destino estava em outro lugar, possivelmente no castelo, e era encorajada por sua mãe a sempre se manter a postura, a aprender a ler, escrever, etc. Depois que sua família é quase inteira devastada pela varíola, ela segue atrás do último nome que sua mãe fala antes de morrer: Agna, sua tia, que serviu como criada no castelo junto com sua mãe. E é assim que ela começa a trabalhar no castelo, se torna camareira pessoal da rainha e, depois, uma respeitada dama. A vida das criadas, os namoricos dos jovens, tudo isso é narrado por Elise, assim como seus amores, desilusões e deveres; a vida da corte, a guerra, os primeiros anos da princesa e sua relação de confiança com a soberana. Coube a ela contar a história como aconteceu, a única que realmente presenciou toda a tragédia da vida da Adormecida.

Tragédia, sim. O tom de Blackwell é frio, sombrio, cru. Por vezes vemos um vislumbre de romance histórico, com mocinhas arquejantes, amores avassaladores e suspiros, mas o tom realista impera em 90% do livro e quase te faz acreditar que aquilo ali realmente aconteceu em algum momento da Idade Média. A maldição da princesa é a parte mais dolorosamente cruel e impactante da história (esqueça MESMO o furinho no dedo em uma roca de fiar. Esqueça a bela princesa adormecida na cama e a corte inteira caída em sono profundo. A realidade foi EXTREMAMENTE mais chocante. Sério.) Quando você se dá conta do que realmente se tratava a maldição, chega a te dar náuseas de nervoso. Diferente dos romances históricos suspirantes, também vemos uma peleja até o final feliz da mocinha e nada termina como você imaginaria. Será que o final foi mesmo feliz para os envolvidos? A própria Elise passa por uma montanha russa emocional, se dá bem, deixa a felicidade escapar, encontra outra forma de felicidade, perde, depois... por aí vai. O final deixa marcas e é, como eu já disse umas vinte vezes, cruel. A escrita de Blackwell é ótima e a trama é envolvente (eu ter levado mais de um mês para terminar se deve puramente à minha preguiça, de verdade), mas eu não concordei muito com uma coisa, que me incomodou um pouco: o título. "Enquanto Bela Dormia", tradução literal do original "While Beauty Slept" sugeriu, para mim, que o livro contaria a respeito de eventos que aconteceriam enquanto a bela em questão dormia, mas nem sono profundo teve (não literalmente) e isso dá uma impressão errada da história, embora não tire o mérito. Vale a pena a leitura se você gosta de contos de fadas, adaptações de contos de fadas, romance histórico ficcional e, principalmente, se você gosta de entender as referências. ;-)


Minha classificação para esse livro é de  4/6- "Muito Bom".
Veja a cotação do livro no SKOOB e a opinião de outros leitores.

Enquanto Bela Dormia. Blackwell, Elizabeth. Editora Arqueiro, 2016, 368 p.



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