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"Uma constelação de fenômenos vitais" de Anthony Marra

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O amor, ela aprendeu, poderia reduzir seu destinatário a algo essencial, tão importante quanto comida ou abrigo, cuja presença não é apenas desejada, mas necessária. (Pág. 202)

Uma constelação de fenômenos vitais foi a leitura mais difícil e a mais surpreendente que fiz em 2014. Anthony Marra teceu lentamente a vida de cada personagem, nos fazendo acompanhar suas vidas, seus desejos, decepções, tragédias pessoais, passado e também futuro, para no final, uni-los, dando finalmente sentido a tudo. 

A história gira em torna pequena, mas inteligentíssima Havaa de apenas oito anos que presencia o momento em que sua casa é incendiada e seu pai levado por soldados russos. Salva por seu vizinho Arkmed, que a princípio não sabe o que fazer com a pequena menina, decide levá-la para longe, pois qualquer informante poderia deletar a presença da criança na aldeia, pondo em risco sua vida. Sem ao menos saber se irá encontrar ajuda lá, Arkmed leva Havaa para um hospital abandonado - no passado já contou com mais de quinhentos funcionários -, agora tem apenas uma única médica, Sonja, e uma enfermeira mal humorada. 

Sonja é uma médica brilhante, perdida em um hospital abandonado, amputando membros, fazendo partos, salvando a vida dos seus pacientes com os poucos recursos que possui ao seu alcance. Para dar conta do trabalho, ela dorme pouquíssimas horas por dia e vive a base de remédios estimulantes. Sua fé na humanidade já foi perdida a muito tempo, ela praticamente é um robô que se move entre os escombros do hospital, mas que ainda não desistiu de tudo, pois precisa reencontrar sua única irmã. Quando conhece Arkmed e Havaa, a princípio ela se nega a prestar ajuda, mas aceita quando descobre que o homem é formado em medicina, mesmo tendo sido o pior aluno de sua turma - qualquer ajuda é bem vinda em um cenário de guerra, ainda que seja um incompetente.

É nessa parceria que dura apenas poucos dias que o autor constrói sua história magnífica, repleta de detalhes, de sentimentos e vidas entrelaçadas pela guerra. Assim que eu comecei a leitura, logo fui cativada pela história de Havaa e Arkmed, conseguindo me ambientar facilmente em suas vidas, mas conforme os acontecimentos foram se desenrolando, a trama começou a ficar mais complexa, ganhando mais personagens, mais detalhes que se não fossem assimilados, não daria para entender seu final. A história de Anthony Marra é uma colcha de retalhos tecida pedaço por pedaço, mas que faz todo sentido depois, nos deslumbrando e nos deixando gratos por podermos carregar aquela história conosco.

A história é ambientada em um cenário de guerra na Chechênia de 1990, invadida pela Rússia. A guerra destroçou o país de tal forma que seus habitantes já tinham se habituado até com a fome, mas que para obter um pedaço de pão, eram capazes de vender todos os vizinhos para os militares e o destino deles sempre era a morte da pior forma possível. Sonja e Arkmed tem suas cotas de decepções e tragédias pessoais: ele cuida da esposa enferma, vítima de uma doença que ele não conhece que a deixou quase senil, precisando de ajuda para se alimentar, tomar banho e entretê-la com a histórias. Ao mesmo tempo que ele a ama loucamente, se ressente pelo destino tê-lo obrigado a cuidar dela; Sonja quer encontrar sua irmã a todo custo e cada paciente que passa por suas mãos, ela tem a esperança de que seja sua irmã voltando ou que alguém um dia lhe traga informações de seu paradeiro. A médica se culpa pelo desaparecimento de sua irmã e quer do seu próprio modo, expiar através do hospital, seus erros.



A doença tinha devolvido a Ula uma inocência que ele não estava disposto a macular, e o calor de sua carne o encasulando era um fragmento de suas vidas desalojado da memória de ambos.

Particularmente, fiquei muito emocionada com as cenas narradas por Kassan, um senhor que evolui lentamente na trama, assim como os outros personagens, mas a sua relação estraçalhada com seu filho Ramzan, conseguiu me deixar com olhos marejados e com o sentimento de perda de oportunidade. Natasha, irmã de Sonja, também é uma personagem fascinante, cheia de facetas. A declaração abaixo doeu tanto em mim, quanto em Kassan quando seu filho explica, o motivo de estar delatando os vizinhos em troca de comida e remédios para o pai:

Foi por nós. Para que possamos viver juntos. Você é a única pessoa que eu tenho. Você é minha família. (Pág. 255)

Um dos pontos mais interessantes sobre a escrita de Anthony Marra é que no decorrer da história, ele nos conta pedaços de seus futuros, o que lhes acontecerá sem no entanto comprometer o andamento da história. 

Equilibrando momentos ternos de pura delicadeza com momentos violentos e brutais. Ao mesmo tempo em que os personagens possuem lembranças felizes de suas vidas no passado, possuem lembranças tristes, carregadas pela culpa e pelas palavras não ditas, pelas oportunidades perdidas. Entretanto, não é uma leitura fácil, um leitor menos experiente poderá ter dificuldades em apreciar a história, mas para quem tem paciência de se deixar ser conduzido, com certeza irá amar esse livro. 


Minha classificação para esse livro é de  5/6- "Excelente".
Veja a cotação do livro no SKOOB e a opinião de outros leitores.

Uma constelação de fenômenos vitais. Marra, Anthony. Editora Intrínseca, 2014, 336 p.



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