Por mais que uma vida seja longa, não vejo sentido em experimentá-la se a sensação de estar viva.
Uma mulher (cujo nome não é mencionado) está no seu décimo sétimo dia sem dormir. Quando ela era adolescente, algo parecido aconteceu durante um mês e cessou após 27 horas seguidas de sono. De repente, essa insônia lhe atacou novamente, mas diferentemente do que ela esperava, sua disposição e sua energia aumentaram. O sono não lhe fez falta e por isso ela decidiu não procurar um médico, apenas aceitar o que estava ocorrendo consigo.
Uma semana depois da chegada súbita dessa insônia, a mulher visitou uma biblioteca com o objetivo de entender melhor os problemas que envolvem o sono. Em uma das obras, leu que, segundo aquele determinado autor, cada pessoa possui uma forma de pensar e de agir singular, marcada por tendências que são modeladas durante o sono. Acreditando que a sua rotina triste e cansativa era fruto dessas tendências, a moça decidiu que não iria mais dormir, pois queria libertar a sua mente.
[...] a minha existência estava aqui e no agora, sem nenhuma relação com as pegadas que deixei.
Sono é um livro com pouco mais de 100 páginas, no qual a protagonista compartilha com o leitor esse período de insônia que teve início numa noite em que lhe ocorreu um episódio de paralisia do sono. Esse fenômeno consiste em uma paralisia temporária do corpo após o despertar e na história ele se dá depois que a personagem acorda de um sonho do qual ela não se lembra muito bem. Ao perceber que não irá mais conseguir dormir, essa mulher resolve aproveitar o tempo que ela ganhou.
A premissa dessa obra sempre me deixou bastante curiosa, eu tinha muita vontade de saber como a protagonista iria lidar com essa insônia repentina e como ela iria utilizar essas horas obtidas, afinal, quem nunca quis que os dias tivessem mais de 24 horas para poder aproveitar ao máximo? Inicialmente, a personagem nos apresenta a sua vida, seu marido, seu filho e o que ela costuma fazer no dia-a-dia. Quando a personagem para de dormir, ela começa a notar hábitos antigos que foram abandonados após o casamento e decidi retomá-los, como por exemplo, a leitura. No entanto, depois de alguns dias de insônia, a mulher retoma determinados costumes e cria uma nova sequência de ações, caindo novamente na rotina.
Apesar de ser bem curto, Sono retrata uma história um tanto complexa, que levanta diversas questões e permite muitas interpretações. O livro nos faz pensar sobre a necessidade ou não do sono, a importância de se arriscar a sair da rotina e da zona de conforto, os padrões de família e de uma vida feliz, a ânsia por aproveitar ao máximo o tempo disponível, enfim. A trama pode parecer simples, mas faz com que o leitor reflita bastante no decorrer da leitura e se questione acerca das conclusões feitas pela personagem principal enquanto ela enfrenta esses dias de insônia.
Em vários momentos eu desejei que o dia tivesse mais horas e a ideia de ficar sem dormir para aproveitar aquele tempo fazendo outras coisas já passou pela minha cabeça diversas vezes. Qual o leitor que nunca quis uma vida inteira apenas para ler tudo aquilo que está na sua lista de leitura, não é mesmo? Porém, depois de pensar bastante, lendo esse livro, inclusive, eu percebi que seria muito chato. Chegaria um momento em que não haveria mais nada para fazer ou que nada mais despertaria o nosso interesse. Diferentemente do que a protagonista acredita em determinado ponto da história, eu não acho que o sono seja um vilão, responsável por controlar a nossa mente através dessas supostas tendências. Eu vejo o sono apenas como um momento de descanso, um período para relaxar a nossa mente, uma parte do nosso corpo que está em constante atividade.
O final desse livro pode desagradar algumas pessoas porque ele é totalmente aberto. Num primeiro momento isso me decepcionou, já que eu não estava esperando aquilo e fui surpreendida por aquela cena consistir no fim da história. No entanto, depois de um tempo percebi que o autor foi muito inteligente com a escolha que ele fez para concluir essa obra, pois ela permite diferentes possibilidades e todas elas fazem com que o leitor pense bastante (confesso que ainda estou refletindo acerca desse desfecho). Sono foi o meu primeiro contato com o Murakami e me forneceu uma pequena amostra do trabalho desse autor, cujos outros títulos eu pretendo conhecer.
Minha classificação para este livro é de ♥ 4/6- "Muito bom".
Sono. Murakami, Haruki. Alfaguara. 2015. 120.