Toquei Bafo de Serpente de novo e me pareceu que ela teve um leve tremor. Algumas vezes eu achava que a espada cantava. Era um canto fino, apenas entreouvido, um som penetrante, a canção da espada que desejava sangue; a canção da espada.
E lá vamos nós seguindo Uhtred em sua longa jornada rumo ao seu destino. Nesse quarto volume das "Crônicas Saxônicas", alguns anos se passaram, nosso guerreiro já está com seus quase 30 anos, estabelecido como um senhor de terras, com uma certa fama e responsabilidades, casado com sua bela Gisela e pai de um casal de filhos e mais um a caminho. Ele segue sua vidinha entediante, cuidando de sua parte do litoral de Wessex e construindo a fortaleza de Alfredo que lhe cabe para a proteção do reino (o rei encheu o reino com elas porque ele é desses) até que Aethelwold, o sobrinho sem noção do rei aparece com a notícia de que um morto saiu da tumba e cismou que Uhtred deveria ser rei da Mércia. E é assim que ele conhece os irmãos Thurgilson, Sigefrid e Erik e é tentado a jogar tudo pro alto e ajudar os nórdicos a tomar o último reino da Inglaterra. Claro que Uhtred não é assim tão burro quanto parece às vezes e passou batido pela tentação, mas guarde esses nomes para o futuro. Porque Alfredo tinha outros planos para a Mércia. E foi assim que Aethelflaed, filha mais velha do rei, se casou com Aethelred, primo de Uhtred e ealdorman da Mércia e Alfredo passou a controlar também aquele reino problemático. Só havia um problema: Lundene, também conhecida hoje em dia como Londres, cidade infestada de nórdicos. E foi aí que, ao invés de Alfredo fazer um famoso chá de panelas, ele pediu a Uhtred, como presente de casamento para sua filha, a cidade de Lundene. Humilde ele, não? E como Uhtred era amigo da garota desde que ela era criança, não pôde dizer não. E foi assim que ele tomou a cidade. Claro que quem levou a fama foi o genro baba-ovo do rei, que saiu com a glória, o governo, a bela princesa em quem ele batia e quase toda a frota de navios de guerra. E Uhtred ganhou o comando militar e mais alguns motivos para enfiar Bafo de Serpente nas tripas do primo.
(...) enquanto houver uma família chamada Uhtred, e enquanto houver um reino nesta ilha varrida pelo vento, haverá guerra. Portanto, não podemos nos encolher para longe da guerra. Não podemos nos esconder de sua crueldade, de seu sangue, do fedor da malignidade ou do júbilo, porque a guerra virá para nós, desejemos ou não, guerra é destino, e wyrd bid ful araed. O destino é inexorável.
Claro que nada é fácil nessa vida e Uhtred ainda precisará lidar com os nórdicos que ainda restam na costa de Wessex e as burradas federais de Aethelred. E quando eu digo burrada eu quero dizer BURRADA mesmo, tipo coisa muito retardada e sobra sempre pra quem? Claro, pro melhor guerreiro, pro único cara capaz naquela bosta de reino. Se eu fosse o Uhtred diria apenas "na boa, parceiro, te vira aí, quem fez a merda foi você, tô vazando pro norte, vlw flws", mas nããããão, ele tem que ir e resolver tudo e quem pode culpá-lo por ser um herói? Às vezes ele quase vai fazendo merda também, como no final, quando você sente o cheiro da merda no ar de longe e pensa "pô, Uhtred, cê tá vendo que isso aí vai dar ruim, véi", mas mesmo assim os deuses acabam sorrindo pra ele mesmo que de um jeito meio torto. (pode deixar que não vou dar spoiler, mesmo sendo de um livro de 10 anos atrás) Só que a gente acaba torcendo por ele, porque o safado é tão cativante e a situação é tão tentadora, que você acaba virando #TeamUhtred mesmo e que se dane a prudência e todas as consequências. E no final, SPOILER HISTÓRICO, Wessex prevalece, apesar da enorme ameaça a qual foi sujeitada. E o dia mais uma vez foi salvo, graças a Uhtred de Bebbanburg.
Não tem realmente como falar mal de nenhum livro de Bernard Cornwell e não tem como encontrar pontos negativos nessas obras de arte, mas confesso que achei esse volume um pouco inferior aos outros. As batalhas são impecáveis como sempre, não deixam a narrativa cair no marasmo e são constantes durante o livro; pra quem gosta de uma boa descrição de batalha, Cornwell nos entrega descrições precisas e poéticas, tão realistas que você se sente lá dentro e essa é uma marca registrada do autor. Embora seja um livro com pouca precisão histórica, de acordo com o próprio autor, que afirma no final do livro que ele foi o mais romanceado de todos até então, ainda é possível mergulhar numa bela ficção histórica. Uhtred, que já entrou pra minha lista de melhores personagens, continua com sua narrativa cativante que rende momentos hilários e diálogos ótimos, como quando, sendo pagão, solta um "DOCE JESUS CRISTO!" num momento de desespero e sempre que desafia os padres:
- Havia muita gente conversando na igreja! - reclamou Beocca - Esse foi um dia santo, Uhtred, um dia sagrado, uma celebração do sacramento e as pessoas falavam como se estivessem no mercado! // - Eu era um.
A narrativa dividida em três partes, como sempre, deixa a trama mais fluida e tudo é impecável, porém mesmo assim achei que esse livro ficou mesmo como uma espécie de tapa-buraco nas Crônicas, mesmo sendo belamente escrito. Toda a ação da tomada de Lundene foi espetacular e a parte final foi puro nervosismo por toda a situação envolvida e o belo plot twist que causou uma reviravolta maravilhosa e o final surpreendente e de tirar o fôlego, mas mesmo assim ficou aquele gosto de "parece que essa história toda não deveria estar aqui". Mas como estamos falando de Cornwell, até pra achar defeito é difícil! Então eu continuo recomendando fervorosamente.
DICA: A segunda temporada da série The Last Kingdomserá inspirada no terceiro volume das Crônicas, "Os Senhores do Norte" e neste volume.
Um céu para homens! Um céu para guerreiros! Um céu em que espadas brilhem!Um céu para homens corajosos! Um céu de selvageria! Um céu de cadáveres! Um céu da morte!(...) O céu da morte!
❤ Crônicas Saxônicas, de Bernard Cornwell ❤
A Canção da Espada
Terra em Chamas
Morte dos Reis
O Guerreiro Pagão
O Trono Vazio
Guerreiros da Tempestade
O Portador do Fogo (lançamento esse ano)
Minha classificação para esse livro é de ❤ 5/6- "Excelente".
A Canção da Espada - Crônicas Saxônicas #4 Cornwell, Bernard. Editora Record, 2008, 350 p.